Salão Automóvel de Paris

Encontro de estrelas

PARIS, a capital da moda, foi palco de um desfile de estrelas que, como habitualmente, marcam a rentrée da nova temporada do mercado automóvel mundial. Curiosamente, a «jogar em casa», este salão não assinalou a apresentação das novas versões SUV do grupo PSA, de que também falaremos

A ECONOMIA mundial pode não ser a mais favorável, o preço dos combustíveis pode oscilar a toda a hora, mas este quadro em tons de negro parece indiferente aos principais construtores automóveis, apostados em espicaçar o mercado. Logo, este que é um dos mais importantes e o mais antigo dos salões automóveis da Europa, conheceu, como é natural, algumas novidades e estreias mundiais.
Fiquemo-nos por um resumo de alguns novos modelos que debutaram pela capital francesa e que serão importantes para o mercado português.

ALGUMAS DESSAS NOVIDADES já eram conhecidas, quanto mais não seja em fotos: Opel Corsa, Citröen C4 Picasso e Renault Scénic, por exemplo, modelos que, pelas suas características representarão apostas fortes das respectivas marcas em Portugal. Mas teremos também que referir as novas gerações do Honda CR-V, Lancia Ypsilon, Mini, Mitsubishi Pajero, VW Touran e Touareg e Volvo C30. Dentro do grupo VW, assinalem-se também as versões especiais do Skoda Octavia Scout, do VW Golf Cross ou do Audi S3, enquanto que, a Oriente, a japonesa Mazda apresentava a versão europeia do SUV CX-7 e a coreana Kia expunha o seu familiar médio que dá pelo curioso nome de Cee’d, apresentado nas versões carro e carrinha e o primeiro modelo a oferecer sete anos de garantia!

DOS PROTÓTIPOS expostos, os mais perto de passarem à produção e serem mostrados em versão final, são os novos Ford Mondeo, o regressado Lancia Delta, um radicalmente diferente do actual Renault Twingo (e não é que o carro faz logo lembrar o Citröen C2!...), o Toyota Auris que desvenda a provável futura série do Corolla e, claro está, o VW Iroc que será produzido em Palmela e que igualmente assinala o regresso do Scirocco. A merecer menção, o Hyundai Arnejs, «primo» do Kia Ceed’s e que, tal como este, disputará o segmento dos familiares entre o pequeno e médio, posicionando-se logo a seguir à actual geração Accent.

POR FALAR em propostas do Oriente, é importante referir também a presença de alguns construtores chineses que poderão «atacar» o mercado europeu nos próximos anos, tão rapidamente resolvam os problemas de segurança e fiabilidade que os primeiros modelos apresentados têm revelado. Na mesma situação de preços mais baixos, encontra-se também a romena Dacia, uma empresa do grupo Renault que se dedica a produzir renovadas versões de antigos modelos da marca francesa, mas que, por enquanto, não se prevê venham a ser comercializados em Portugal.
Por lá também se viu ainda uma renovada Lada, o construtor russo que procura reentrar no mercado europeu.

O SALÃO FRANCÊS teve todo o glamour que já de si a capital francesa impõe. Não foi um dos mais magníficos e ainda que com muitas estreias e novidades, não se pode falar de um modelo que realmente se impusesse aos demais e fosse uma das mais aguardadas estreias. Não deixou por isso de ser um dos mais concorridos em termos de expositores e visitantes, demonstrando a importância e o impacto que este género de iniciativas tem sobre os consumidores, e por permitirem uma grande visibilidade e retorno garantido aos muitos milhares de euros investidos por todos os construtores mundiais.

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O Peugeot 4007 e o Citröen C-Crosser, assinalam a entrada do grupo francês no domínio dos veículos 4x4 do tipo SUV, um modelo fruto da cooperação com japonesa Mitsubishi. Associado ao novíssimo motor diesel 2.2 HDi, resultado também de uma parceria, desta feita com o grupo Ford, desenvolve uma potência de 156 cv e possui um binário de 380 Nm, podendo funcionar com 30 por cento de bio carburante. O modelo deverá ser formalmente apresentado no próximo Salão de Genebra e tem comercialização prevista para o Verão de 2007.
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VW Passat 2.0 TDi/170 CV DSG


Dentro do universo de uma marca generalista como é a VW — um construtor que sempre se distinguiu pela excelência aparente dos seus produtos e pela imagem de qualidade e robustez de construção — este é o modelo de gama alta «mais acessível» ao grande público, já que o SUV Touareg ou o exclusivo Phaeton se podem considerar de outro campeonato. No entanto, um modelo que, em muitos (bons) aspectos, se tem aproximado das propostas de marcas mais restritas como a BMW e a Mercedes, não lhe faltando argumentos para ombrear com propostas idênticas das marcas referidas, com clara vantagem no preço final, na relação final preço/equipamento, na generosa oferta de espaço interior que se reflecte no conforto e na excelência mecânica do motor que equipa a versão ensaiada.

Citröen C4 1.6 HDi CMP6

Automático ou Manual?




CURIOSAMENTE (ou talvez não…), os últimos modelos que tenho ensaiado, dispunham de caixa automática, o que demonstra o crescente interesse da parte dos portugueses (e das marcas em oferecer alternativas, obviamente…), por este género de transmissão, tão popular noutros países, nomeadamente em terras americanas.
Aliás, quem já não apreciou nos filmes, a dificuldade dos americanos perante mais um pedal da embraiagem e de uma caixa de velocidades manual? Se calhar a mesma que muitos europeus experimentam quando confrontados com um pedal a menos e a impossibilidade de irem manobrando o respectivo manípulo, que lhes cria uma falsa sensação de segurança e domínio do veículo…

NESTE ASPECTO particular, na possibilidade do uso de um controlo «manual» da caixa, reside o principal sucesso das caixas de velocidade automáticas actuais, com o seu comando sequencial, até há pouco tempo só disponível na competição e nas viaturas topo de gama, por estas disporem de motores de elevada cilindrada. Este controlo, que tanto pode ser feito pelo próprio manípulo, como através de botões ou patilhas colocados no volante ou junto deste — neste caso, escolhe-se a relação pretendida com os polegares, no segundo geralmente com os dedos médio e o do meio… —, permite «subir» ou «descer» as mudanças manualmente, independentemente do controlo automático. O sistema electrónico impede que se seleccionem relações erradas face ao regime do motor e, com isso, evita danos nos componentes mecânicos.

JÁ SE VIU, portanto, um dos motivos porque este género de transmissão tem conhecido maior aceitação no Velho Continente. Outro dos motivos de desagrado era o facto dos veículos assim equipados, serem na sua generalidade mais lentos e apresentarem consumos elevados, uma verdade que os avanços da electrónica aplicada permitiu esbater drasticamente; quanto à manutenção mais dispendiosa, o facto é que, quando correctamente utilizada, também prolonga a vida útil do próprio motor, já que este deixa de sofrer algumas variações de humor ou de destreza de quem conduz… mas isto digo eu!
Por outro lado, as caixas de velocidade automáticas passaram também a estar disponíveis em modelos de gama mais baixa e de menor cilindrada, mais acessíveis portanto, o que possibilita a sua maior divulgação. O Smart de que há pouco tempo neste espaço falámos é o caso mais paradigmático.

MAS HÁ AINDA outro factor que leva os detractores do sistema a preterirem-no e mesmo menosprezarem-no: os chamados «solavancos» nas passagens da caixa, mas que se prendem mais com o tipo de condução que geralmente se emprega do que com o funcionamento do sistema. É que, na prática, quando se conduz um carro com transmissão automática, muitos o fazem, passe o exagero, como se se tratasse de um «carrinho de feira»; ou seja, engata-se o automático ou selecciona-se o sequencial, carrega-se no acelerador e pronto… «é andar». Obviamente que, quando se efectua a troca de marcha, o sistema electrónico é obrigado a «cortar» automaticamente as rotações para efectuar a troca de relação: afinal, numa caixa manual também se alivia o pedal do acelerador para o fazer…
Mais uma vez, os avanços da electrónica e da mecânica, têm vindo a permitir que esta «sensação» seja cada vez mais esbatida e que o processo seja muito mais rápido do que qualquer caixa de velocidades manual. Por alguma razão as viaturas de competição a utilizam…

É EXACTAMENTE a este ponto que queria chegar e que justifica uma tão longa introdução, além de servir como mote para nos conduzir ao modelo em análise esta semana. Já me referi ao Citröen C4 por duas vezes, uma das quais precisamente com este motor. Mas aquele que justamente foi eleito «Carro do Ano 2005» em Portugal e segundo classificado no troféu internacional desse ano (a nova geração C4 Picasso concorre ao galardão de 2007), passou a contar com a uma nova caixa automática de seis velocidades, com a possibilidade de manualmente ser pilotada pelo respectivo manípulo ou por patilhas sobre o volante, num sistema desenvolvido e aprimorado pelos modelos que tão boa conta têm tido no Mundial de Ralis…

ASSOCIADO ao motor diesel 1.6 HDi de 110 cv, tanto nas versões berlina de cinco portas, como no coupé de três, oferece ao C4 um redobrado prazer de condução e, voila, consumos mais reduzidos…
Segundo os dados do construtor, este princípio de automatização da passagem de velocidades e da embraiagem, assegura-lhe uma diminuição do consumo (e também, logicamente, da emissão de poluentes), na ordem dos 3 a 5 por cento comparativamente à caixa de velocidades mecânica, não sendo alheio também o facto de dispor de uma sexta…
De utilização particularmente agradável, a caixa manual pilotada com gestão electro-hidráulica permite uma maior subtileza na passagem de velocidades, adaptando-se ao comportamento do condutor. Dispõe ainda de um modo Sport, tornando-se mais rápida na passagem de velocidades.

NA PRÁTICA, a condução de um automóvel com este género de caixa é uma questão de hábito; um hábito que vicia pela facilidade e comodidade, para além de que a colocação do manípulo — recorde-se que não há muitos anos, os primeiros carros automáticos, ainda dispunham do comando em forma de alavanca atrás do volante… — não difere assim tanto do que nos habituamos a conduzir. Na verdade, inicialmente até nos podemos sentir tentados a ir com o pé esquerdo ao pedal… o truque é esquecer que ele existe e deixá-lo repousar tranquilamente no descanso apropriado, para não corrermos o risco de uma travagem brusca e imprevista!
Por outro lado, uma caixa de velocidades automática possibilita uma condução mais descontraída e descansada e isso é tanto mais evidente quando circulamos em cidade. Para os que gostam de mais dinâmica ou de manter a «tal sensação» de controlo da condução, o modo sequencial é uma alternativa não apenas válida como, no caso presente deste C4 lhes permite que se imaginem na pele de Sebastien Loeb (para quem não sabe, trata-se de um piloto da marca francesa e, nos últimos anos tem feito uma razia no mundial de ralis).
Dito isto, falta confessar que, quando voltamos a conduzir um carro com caixa convencional, o mais natural é esquecermo-nos de que voltou a existir um terceiro pedal…

HÁ CARACTERÍSTICAS que fazem parte do património de uma marca automóvel e, no caso específico da Citröen, o espírito de inovação é inegavelmente uma delas. Assim foi com modelos de meados do século passado — ainda há pouco tempo falei do célebre «boca de sapo»… — e, recentemente, o construtor francês parece ter voltado a encontrar a alma e o engenho esquecidos em gerações anteriores da sua gama de veículos. O C4 é um dos exemplos mais evidentes do arrojo e renovação, num modelo visualmente diferente e futurista, mas equilibrado e atraente.
Essa exclusividade é ainda mais reforçada no interior, tão ou mais ousado do que o exterior, mas principalmente construído com materiais de melhor qualidade, acabamentos mais cuidados e uma funcionalidade prática que já se conhecia.

SE JÁ HÁ quem considere controversa a sua frente dominada pelo «double chevron» que dá forma à grelha, ou até por uma traseira única na variante de três portas, no habitáculo, o primeiro olhar recai no painel digital que «paira» na parte superior do tablier. A posição de condução é muito facilitada pelos múltiplos ajustes disponíveis, com um prático acesso aos comandos e fácil leitura dos diversos painéis, salvo o da climatização, algo baixo.
A configuração do volante é outro dos motivos que poderá causar alguma estranheza inicial; uma zona central fixa, com a maioria dos comandos do sistema de áudio, do telefone e do cruise-control, por exemplo, rodando o volante sobre este aglomerado de botões. Existem ainda, no caso específico desta versão, as patilhas para controlo manual da caixa, a da esquerda para descer de velocidade, a da direita para o movimento inverso.

A CONFIGURAÇÃO dos bancos assegura-lhe um conforto ao nível dos pergaminhos do fabricante, além de que a excelente insonorização, contribui para um excelente bem-estar dos seus ocupantes.
A visibilidade em manobra não é um dos seus melhores atributos, sobretudo para a traseira. Já a distância entre os eixos, assegura não apenas a estabilidade do conjunto, com reflexos no conforto, mas também uma habitabilidade interessante. Embora, no que concerne a esta última, o espaço para as pernas dos passageiros traseiros dependa, e muito, das necessidades dos ocupantes dos assentos dianteiros. A capacidade da mala pode igualmente considerar-se aceitável, mas um inédito sistema de arrumação permite compartimentar o espaço para melhor transportar objectos, e pode ser escamoteado sem roubar volume à bagageira.

QUANTO AO DESEMPENHO, que dizer de um modelo ao qual estamos rendidos? Uma motorização suave mas convincente quando lhe é exigida maior agressividade, com grande capacidade de recuperação e bem coadjuvada pelo escalonamento perfeito de uma caixa de seis velocidades que, tanto no modo inteiramente automático, como em jeito sequencial, apresenta uma suavidade e uma linearidade de engrenagem quase perfeitas. Para contrabalançar os tais «solavancos» de que falava na edição anterior, o aliviar do pedal do acelerador é essencial; basta compreender e saber «ouvir» o seu funcionamento, para adivinhar o momento certo de o fazer. E assim se deve conduzir um carro de caixa automática, porque, numa caixa manual também não mantemos o motor em aceleração durante as trocas de velocidade.

SÃO POR DEMAIS evidentes os grandes avanços em termos de suavidade e rendimento permitidos por este sistema que, recorde-se ainda há poucos anos, só se encontrava disponíveis em segmentos superiores. O «gozo» proporcionado pelo uso do sistema de palhetas, ou a comodidade do modo inteiramente automático, com doseamento preciso da aceleração em baixas velocidades ou em modo de arranque — algo vital quando fazemos manobras de estacionamento e muito prático para efectuar o chamado «ponto de embraiagem» em subidas, aqui agindo em conjunto com o controlo de tracção —, tem ainda a vantagem de, em qualquer momento, e sem qualquer outra acção, permitir que o condutor opte por um ou por outro sistema; ou seja, se nos encontrarmos no modo automático, podemos comutar manualmente uma velocidade inferior ou superior — desde que o regime do motor o permita — ou, caso nos «esqueçamos» de o fazer, o sistema electrónico encarrega-se de o realizar. Um pequeno painel digital atrás do volante, vai informando sobre a velocidade engrenada.

O MAIS surpreendente é, sem dúvida, a facilidade e acção da associação desta transmissão ao motor 1.6 HDI de 110 cv. Para quem desejar um modo dinâmico mais apurado, a caixa dispõe de uma selecção Sport que não apenas reduz o tempo das passagens de caixa para cerca de meio segundo — no modo normal esse tempo é, no máximo, de 1,7 segundos —, como prolonga as rotações do motor em determinada mudança.
Mas, claro, isso provoca um acréscimo de consumos. O que não acontece em situação normal, em que é anunciado pelo fabricante uma redução dos mesmos em três a cinco por cento, face à caixa manual e mesmo quando comparado com o mesmo motor na sua versão de apenas 92 cv. Na prática, torna-se difícil afirmar com certeza de que isso acontece, mas os valores registados durante o ensaio forem realmente comedidos.

EM TERMOS DINÂMICOS, o bom desempenho deste motor, sempre pronto e nada «guloso», encontra paralelo no comportamento do C4, com a distância entre eixos a assegurar também uma excelente estabilidade do conjunto, enquanto a suspensão prima por cumprir a função: uma dinâmica e uma segurança notáveis, oferecendo confiança mesmo em alturas mais complicadas.
A opção por esta versão implica um acréscimo de cerca de 1700 euros face ao modelo equivalente com caixa manual também de seis velocidades.


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PREÇO, desde 28 122 euros MOTOR, 1560 cc, 110 cv às 4000 rpm, 240 Nm às 1750 rpm, common rail PRESTAÇÕES, 192 km/h CONSUMOS, 5,8/3,8/4,5 l (cidade/estrada/misto) EMISSÕES CO2, 120 g/km


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DISPONÍVEL tanto na carroçaria de cinco portas como no coupé de três (o preço apresentado refere-se ao primeiro), o seu equipamento principal contempla, entre outros, airbags frontais, laterais e de cortina para condutor e passageiro, ABS e repartidor electrónico de travagem, regulador e limitador de velocidade, ar condicionado standard com filtro de partículas, jantes de liga leve 17 polegadas.


Resultado nos testes EuroNcap :


http://www.euroncap.com/content/safety_ratings/details.php?id1=2&id2=203

Smart Fortwo Cabrio O primogénito descapotável

JÁ REFERI AQUI as origens do projecto Smart quando, há poucos meses, trouxe a ensaio o Forfour de quatro lugares. Na altura relatei o parto nada fácil de um projecto que demorou vários anos a amadurecer e cuja ideia final, ainda que gira e original – unir o nome de uma marca de relógios da moda, a Swatch, a um modelo puramente urbano, de dois lugares, de estilo fashion –, demorou até encontrar um construtor que adoptasse o conceito. Acabou por ser a Mercedes a fazê-lo e, em finais da década de 90, o mercado conhecia finalmente as primeiras versões.

Nomes que perduram: Citroën DS

O sapo que virou príncipe


DISSE-ME uma vez um amigo vendedor de uma marca concorrente, meio a sério, meio a brincar, que a Citroën se tinha tornado na «marca branca» da Peugeot; ao que inquiri como é que um construtor que tinha oferecido um tão popular quanto robusto 2CV, ou um tão avançado para o seu tempo DS, algum dia poderia ser olhada dessa maneira!
Foi «remédio santo» como se costuma dizer…
Porque se há carro clássico que ainda se mantenha actual em muitos aspectos, esse automóvel é o «boca de sapo». Assim ficou o DS conhecido em Portugal devido à sua frente original, ainda que de desajeitado ou feio nada tivesse…

A HISTÓRIA começa quando a marca francesa se decide a substituir, após a 2.ª Grande Guerra, outro modelo criado antes do conflito e também muito popular no seu tempo, além de revolucionário em muitos aspectos: o Traction Avant, mais conhecido como «Arrastadeira». Nomes fantásticos como se vê!
Não foi um parto fácil porque a sua concepção demorou mais do que o previsto. Por um lado, a responsabilidade de criar um carro ainda mais avançado do que o Traction Avant, por outro porque a Citröen estava muito concentrada na produção e desenvolvimento de outro automóvel que rapidamente se tornaria um sucesso, o célebre 2CV.

NOS FINAIS da década de 40 começaram a desenvolver-se vários projectos do que seria o futuro DS — impõe-se desde já um desvio, para explicar que a designação DS se deve ao facto de em francês se pronunciar «deésse» que significa «Deusa» —, mas só em 1955 seria apresentado ao público no Salão Automóvel de Paris. Nesse entretanto, uma equipa liderada por André Lefebvre, o engenheiro aeronáutico responsável pelos dois outros êxitos atrás referidos, tinha conseguido revolucionar grande parte dos conhecimentos mecânicos até aí existentes…

O CADERNO de encargos do novo modelo era simples mas exigente: tinha que ser singularmente espaçoso, possuir extraordinárias capacidades dinâmicas e, não menos importante, correspondendo à tradição do construtor, ser excepcionalmente confortável.
O resultado foi tão inovador e surpreendente que todos os seus concorrentes correram o sério risco de se tornarem obsoletos: a inspiração aeronáutica esteve bem presente na carroçaria em forma de gota criada por Bertoni — o que ainda hje faz dele uma referência aerodinâmica —, o tejadilho era feito em plástico reforçado com fibra de vidro e o espaço interior para os ocupantes é espantoso, muito por obra e graça da ausência do vão para passagem do eixo, na época usual em carros de motor dianteiro e tracção traseira.

OLHANDO para a sua carroçaria, vários pontos saltam à vista: uma frente muito longa e afilada, devido à colocação do motor atrás do eixo dianteiro, tecto descaído que termina numa traseira curta e, principalmente, rodas posteriores parcialmente cobertas.
Mas o seu maior segredo — ou se quisermos o que mais revolucionou e viria a marcar toda a história do construtor gaulês —, não estava à vista: uma ousada e eficaz suspensão hidropneumática, curiosamente concebida por um técnico inglês, que lhe mantêm a altura ao solo praticamente constante, independentemente do peso ou da posição do que transportasse. Proporciona ainda a selecção de três níveis de altura em relação ao solo — o mais baixo apenas para estradas com bom piso e as restantes para estradas piores ou para trocar de pneu. Esta é outra das suas inovações: dispensando o uso do tradicional «macaco», basta elevar ao máximo a suspensão, colocar um calço junto ao pneu a trocar e voltar a baixar a suspensão para a roda ficar no ar. Simples mas engenhoso, além de que, como a maioria do peso se concentra predominantemente na dianteira, o veículo pode circular sem a roda traseira oposta à da posição de condução!...

MAS SE muitas outras inovações o tornam avançado no seu tempo — reparem na colocação elevada dos piscas traseiros tão usual hoje em dia —, dos comandos hidráulicos da embraiagem, da direcção e da caixa de velocidades — comandada por pequenos toques num manípulo como as actuais caixas automáticas sequenciais —, ou até do sistema de travagem que já dispunha de discos dianteiros e de um duplo circuito hidráulico sensível à carga a bordo, construído para que, mesmo avariando, permita o recurso a um outro mecânico, a verdade é que a Deusa pecava num aspecto: no capitulo das motorizações.

O ESTUDO, concepção, desenvolvimento e posterior produção do DS foi lento e oneroso, pelo que, quando chegou à altura da definição dos motores colocou-se uma grande questão: ou se desenvolvia uma motorização inteiramente nova, que acarretaria mais custos e mais testes, ou se recorria, com a devida actualização, a motores já existentes «na casa». Mesmo assim foram ensaiados motores de seis cilindros arrefecidos a ar e a água e até um quatro cilindros, dotado de compressor, qualquer deles a colocarem sérias dúvidas quanto à sua fiabilidade mecânica. A escolha para o lançamento acabaria por recair num já utilizado na Arrastadeira, que, devidamente «modernizado», garantia uma potência de 75 cv graças a um carburador de corpo duplo. Os 140 km/h de velocidade máxima não o deixava mal visto face à concorrência, para além de que a suas capacidades aerodinâmicas e mecânicas faziam o resto.

MANTEVE-SE em produção até Abril de 1975, conhecendo inúmeras versões de carroçaria — desde um belíssimo quanto raro descapotável até às tão apreciadas carrinhas, muito usuais nos anos 60, como ambulâncias —, variados motores e teve um importante papel não apenas como viatura de Estado — Charles De Gaulle saiu ileso de um atentado quando seguia a bordo de um DS que escapou aos tiros com um dos pneus traseiros furados… —, como na competição automóvel, onde obteve inúmeros êxitos em cenários tão diversos como os ralis europeus ou africanos. Para além de uma vitória no célebre Rali de Monte Carlo, em Portugal ficou particularmente famoso por ter vencido o Rali TAP-Portugal de 1969, tripulado por Francisco Romãozinho.

VW Golf GT 1.4 TSI 170 cv


Eh lá!
POIS É! Aquele que é por muitos visto como a referência entre os familiares do segmento médio, tão sóbrio quanto aparentemente robusto, sempre encarado pela concorrência como um alvo a abater... continua incólume, igual à imagem que construiu ao longo dos anos. Uma qualidade de construção de materiais que enche o olho, uma solidez que se evidencia pela ausência de ruídos e pela excelente insonorização, uma habitabilidade que continua a não deslumbrar… mas há coisas que mudaram! Para melhor, bem melhor…

O QUE MUDOU, foi sobretudo a política de motores. Se antes as cilindradas mais baixas «pecavam» pela «discrição» e até um certo amorfismo, fazendo antes valer uma imagem de fiabilidade, que dizer quando falamos de 170 cavalos, dos mais puros e de refinada raça, debitados por um bloco de… 1390 cc? Exactamente a mesma base que serve as versões mais «civilizadas», se bem que este novo bloco de cilindros seja forjado em ferro de alta resistência, capaz de suportar a elevada pressão de funcionamento durante longos períodos. A partir daí, os engenheiros modificaram-lhe a tecnologia de injecção directa acrescentando uma sobrealimentação — com uma válvula de alta pressão, furos múltiplos e seis elementos de saída de combustível —, adicionaram-lhe um compressor volumétrico coadjuvado por um turbo accionado pelos gases de escape interligados em série — o último equipado com uma válvula que «dispara» nos regimes mais elevados do motor.

O MAIOR DESAFIO foi conseguir a interacção perfeita do compressor e do turbo, pois estes dois sistemas de sobrealimentação completam-se e optimizam-se de forma a permitir que o motor consiga alcançar o nível de binário requerido durante uma ampla faixa de regime. Enquanto o compressor apenas é utilizado para gerar o necessário aumento de pressão — boost — numa gama de regimes até às 2400 rpm, o turbo serve para obter uma eficácia optimizada nos altos regimes e fornece um aumento de pressão muito adequado mesmo nos regimes médios. A pressão máxima do sistema de dupla-sobrealimentação é de aproximadamente 2,5 bar às 1500 rpm.

PASSADA ESTA SIMPLES explicação técnica, para os mais leigos interessa antes o efeito prático desta obra de engenharia mecânica. E o resultado é tão espantoso quanto a explicação o pode ser para os mais versados em mecânica. É que a resposta à pressão do acelerador tanto pode ser de uma suavidade que nos faz esquecer o instinto mais desportivo, como de uma convicção que, não nos colando ao assento…, revela bem o que esta versão do Golf é capaz de permitir ao condutor mais ousado. E, facto espantoso, mas também muito agradável e simpático para a carteira, com consumos que não destoam de modelos com menor capacidade dinâmica.

ESSA MODERAÇÃO de consumos é em grande parte conseguida pela conjugação de dois factores. Um bom binário, que chega cedo e está disponível até por volta das 5000 rpm, e uma bem desmultiplicada caixa de seis velocidades. O funcionamento deste Golf é até — e perdoem-me os mais puristas e entendidos — muito semelhante ao de certos turbodiesel potentes, em que é possível circular descontraidamente abaixo das 2000 rpm e ter a potência prontamente disponível para uma aceleração mais rápida. Não fosse termos que o abastecer de gasolina — é aconselhável de 98 octanas para um melhor rendimento, mas também funciona com a de 95… — e mal ouvirmos o seu funcionamento…
De resto, esta tecnologia não é assim tão diferente da utilizada nos motores a gasóleo, ou sequer inédita pois, há alguns anos, o princípio tinha sido utilizado em modelos de competição a gasolina, embora os avanços técnicos, sobretudo na área da electrónica, permitam obter hoje uma optimização bem superior do sistema.

EM MATÉRIA DINÂMICA, o Golf 1.4 GT foi naturalmente adaptado para permitir aproveitar em segurança toda a sua mais-valia mecânica: o chassis foi rebaixado em 15 mm, equipado com jantes de 17 polegadas e pneus 225/45, além de travões de disco de 16 polegadas — os mesmos do Golf GTI — que lhe asseguram uma elevada capacidade de imobilização em todas as situações. O amortecimento da suspensão pode não ser tão firme quanto a do GTI de 2,0 litros, mas é necessariamente menos suave e os pneus de baixo perfil, contribuem para algum incómodo em piso mais irregular, sobretudo para os ocupantes traseiros. Em auxílio, está equipado com uns bancos dianteiros muito confortáveis e com excelente apoio.

O COMPORTAMENTO em curva beneficia de uma estrutura muito sólida e compacta, mas igualmente da ajuda do controlo electrónico de estabilidade, ainda que apenas em situações mais «apertadas» se pressinta a sua acção. Já em recta e em velocidades elevadas, o equilíbrio das reacções é uma constante, ainda que todas as irregularidades ou até mesmo ventos contrários, sejam perceptíveis para quem o conduz. Além de um brilhante trabalho de insonorização, o interior apresenta materiais robustos e de qualidade, elevada dotação de equipamento, praticamente só diferindo das restantes versões por oferecer um pequeno indicador da pressão — boost — em substituição do da temperatura do motor. Quanto a isso, a opção é discutível; visualmente interessante, em termos práticos sem grande utilidade.

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PREÇO, desde 29340 euros MOTOR, 1390 cc, 170 cv às 6000 rpm, 240 Nm entre as 1750 e as 4500 rpm, 16 V, Injecção Directa, compressor volumétrico, turbo com boost PRESTAÇÕES, 220 km/h CONSUMOS, 9,6/5,9/7,2 l (cidade/estrada/misto) EMISSÕES CO2, 173 g/km

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COM UMA QUALIDADE que se faz pagar e uma imagem forte, o Golf acaba por ser um carro em que nem o equipamento de série justifica o preço proposto. De série, esta versão GT conta com ABS com assistência a travagens de emergência, controlo electrónico de estabilidade (ESP), suspensão desportiva e jantes BBS de 17 polegadas, airbags frontais e laterais dianteiros, airbags de cortina para a cabeça, ar condicionado, rádio/cd com 8 colunas, faróis de nevoeiro, fecho centralizado com telecomando, head airbags (tipo cortina), computador de bordo, vidros e retrovisores eléctricos, bancos reguláveis em altura, volante desportivo de três raios em couro com logótipo GT e botões multifunções, regulável em altura e profundidade, entre outros. E são muito importantes estas regulações, pois a posição de condução não é exactamente uma referência em termos de visibilidade em manobra devido à linha de cintura elevada. Em termos visuais, a presença do Golf GT é marcada não apenas pelo chassis desportivo rebaixado ou pelas imponentes jantes, como por uma dianteira marcante com a grelha do radiador em forma de V, lamelas de refrigeração pretas e logótipo GT e dupla saída de escape visível. Disponível em carroçaria de 3 ou 5 portas, e também com caixa de velocidades automática de embraiagem dupla, também com seis velocidades.

FERDINAND PORSCHE: Um homem e o seu sonho

VW beetle carocha type 1 (www.cockpitautomovel.com)

VW: O carro que o povo amou


Para conhecer a história daquele que é o mais emblemático carro da marca alemã, um dos modelos mais populares e mais produzidos de sempre, é preciso falar do seu criador, um dos maiores génios da indústria automóvel: Ferdinand Porsche.

Mas aquele que foi o responsável por alguns dos mais importantes avanços da engenharia mecânica teria porém de esperar até ao fim dos seus dias para ver sair da fábrica um carro com o seu nome estampado na carroçaria.


ferdinand porsche VW beetle carocha type 1 (www.cockpitautomovel.com)

Em Março de 1948, os focos do Salão Internacional de Genebra incidiram sobre um elegante carro de desporto.

Muito poucos augurariam a carreira de sucesso que a marca com o nome do seu fundador viria a conhecer.

No entanto, o criador daquele carro construído quase artesanalmente, a partir de peças, muitas delas em segunda mão, do Volkswagen Type 1, celebrizado como VW Beetle, era o homem a quem a indústria automóvel europeia devia alguns dos mais importantes avanços do sector.

O automóvel em exposição era um veículo de linhas apuradas e aerodinâmicas, com dois lugares e motor central. A promoção dizia que tanto servia para transportar um homem de negócios como, com algumas pequenas modificações, ser utilizado em competição.

O primeiro Porsche, mais tarde conhecido como 356, conhecia assim as luzes da ribalta; para um homem em especial, era o corolário de uma carreira recheada de êxitos.

Mas quem era este homem acusado de colaboracionista nazi no final da II Guerra Mundial?

VW beetle carocha type 1 ferdinand porsche (www.cockpitautomovel.com)

Obstinado e criativo

FERDINAND PORSCHE nasceu a 3 de Setembro de 1875 no norte da Boémia. 

A capacidade criadora herdou-a do pai, modesto funileiro conhecido pela perfeição do seu trabalho. 

Autodidacta assumido, Ferdinand passou pela escola industrial. Mas foi uns diversas empresas mecânicas e eléctricas, onde, desde muito novo, começou a trabalhar, e nas fortuitas aulas da universidade a que assistia ilegalmente, que foi adquirindo conhecimentos de engenharia.

Estes conhecimentos abriram-lhes as portas para ser aceite junto dos pequenos construtores de automóveis austríacos, país onde então já vivia.

Desde logo, começou por impor soluções técnicas arrojadas, nomeadamente a nível da transmissão. 

Já na Alemanha, os sucessos alcançados na competição — primeiro com o Mercedes Kompressor, depois com o Auto Union de motor multiválvulas e uma engenhosa e eficaz suspensão —, deram ao professor Porsche, como passou a ser conhecido, uma grande reputação como projectista.

Mas em paralelo ao seu trabalho para os grandes construtores alemães, o professor ia criando esboços e ensaiando, sempre que possível, várias soluções técnicas.

Ele acreditava firmemente que o havia um grande futuro reservado para os carros de pequenas dimensões.

Um futuro em que todos poderiam ambicionar em ter um automóvel.

VW beetle carocha type 1 (www.cockpitautomovel.com)

O conterrâneo austríaco

POR ISSO, quando em 1933 Adolf Hitler, conterrâneo austríaco de Ferdinand Porsche, lhe pediu a concepção de um carro para o povo, o projecto já estava em desenvolvimento na cabeça de Porsche e em dezenas de rabiscos.

O único óbice era o preço final do carro que o Führer impunha: no máximo 1000 marcos.

A primeira reacção de Porsche foi recusar o convite.

Não o disse logo, mas não vislumbrava forma de conseguir alcançar um valor tão baixo, mesmo num carro simples, construído em grandes quantidades. 

As outras exigências não constituíam problema: robustez, consumo económico, velocidade razoável, arrefecimento a ar, manutenção fácil e barata. 

Afinal, eram princípios que já estavam presentes no carro que Porsche já tinha proposto, primeiro à Zundapp e depois à NSU.

Por isso, a versão final do desenho do Volkswagen assemelhar-se-ia não apenas a este último modelo, como recorria também a algumas soluções e elementos aí aplicados.

VW beetle carocha type 1 (www.cockpitautomovel.com)

Desafio aceite

Para um engenheiro apaixonado por automóveis que acreditava no direito de todos poderem ter um carro, o desafio era irresistível.

Depois, quem podia dizer não a um homem que estava a recuperar o orgulho e a moral do povo alemão?

Na altura, a guerra e tudo o que dela adveio era algo impensável.
 
Apesar de não confiar totalmente nas pretensões do ditador alemão, o professor aceitou desenvolver o projecto.

Um ano depois, a 3 de Março de 1934, na sessão de abertura da Exposição Internacional de Automóveis e Motocicletas de Berlim, Hitler anunciou, num inflamado discurso político, o desejo do seu Governo de construir um carro acessível.

E vinha também a ordem para que os diversos fabricantes de automóveis alemães fornecessem o apoio e as peças necessárias para o futuro automóvel, única forma de se conseguir um preço de custo que não excedesse os 900 marcos…

A Ferdinand Porsche foi dado um período ridiculamente curto de dez meses para construir e desenvolver três protótipos.

A reacção dos outros fabricantes de automóveis foi de total descrença.

Mas a ordem do Führer para prestarem toda a assistência necessária era clara e, tal como Porsche, quem ousava contradizê-lo.

Uma ordem que desagradava também ao professor.

Os protótipos acabaram por demorar muito mais tempo. Não só porque Porsche estava também envolvido no projecto de desenvolvimento do carro de corridas da Auto Union, como também porque havia indefinição quanto ao motor a utilizar.

Dois ou quatro cilindros?

Um ano passou.

Mas em 1935, de novo na abertura do Salão Automóvel de Berlim, Hitler voltava a referir-se ao projecto.

Pela primeira vez tinha nome: Volkswagen, o "carro do povo".

E contudo, um ano depois naquele local, as palavras do ditador já provocavam o esboçar de vários sorrisos e até suspiros de alívio da parte dos donos das maiores fábricas alemãs de automóveis.

Cada vez mais os desejos de Hitler ou a capacidade de os concretizar fazia menos sentido.

E no entanto...

No entanto os princípios gerais do VoIkswagen já estavam definidos.

Porsche decidiu que o motor, por causa dos custos e dos consumos, seria arrefecido a água, teria quatro cilindros e cerca de 995 cc.

Mas o preço continuava a ser uma dor de cabeça para o professor.

A solução para o problema, considerava Porsche, só podia assentar em métodos mais modernos de produção que conseguissem reduzir os custos de produção.

Como a produção em série aplicada por Henry Ford no seu Modelo T nos Estados Unidos da América.

Por isso, Ferdinand Porsche atravessou o Atlântico para perceber como transpor isso para a produção do Volkswagen Type 1.

E com aquilo que viu no Novo Continente, o professor ficou de facto com a impressão que os desejos de Hitler poderiam ser realizados.

Ainda que obrigasse a vultuosos investimentos em maquinaria e à aplicação de novos métodos de produção.


Um símbolo da Alemanha Nazi


No dia 12 de Outubro de 1936 foram entregues ao Governo alemão três protótipos prontos para entrarem em fase de testes, que iriam decorrer ao longo de 500 mil quilómetros.

No final dos ensaios o relatório referia:

"as características gerais da construção do carro provaram preencher o fim em vista. O comportamento geral foi satisfatório. (...) O consumo permaneceu dentro dos limites. (...) Baseado nestas observações, parece aconselhável considerar a continuação do desenvolvimento do carro"


Perante isto, faltava apenas retocar pequenas falhas detectadas ao longo dos testes, aperfeiçoar o desenho final e encontrar formas de realmente conseguir produzir o carro com custos controlados.

Dois factores abonavam a favor deste último ponto: o veículo estar desenhado de maneira a que certas peças utilizadas noutros modelos pudessem ser aplicadas, e um empenho muito forte de Hitler, que o levou inclusive, a criar entraves à produção de um veículo de características semelhantes que a Opel apresentou no Salão de 1937.

De novo no discurso de inauguração da exposição de 1937, quando Hitler disse que estavam em curso os últimos preparativos para iniciar o fabrico do Volkswagen, os senhores da indústria privada gelaram.

O engenho criativo de um homem e a loucura megalómana de outro podiam vir a ser uma séria ameaça ao reinado da poderosa indústria automóvel germânica.

E ainda que todos os indícios já estivessem presentes, muito poucos ainda acreditavam que dois anos depois a Alemanha estaria envolvida em novo conflito bélico à escala mundial.


Objectivo: um milhão de carros por ano

Os três protótipos produzidos seguiram para as instalações da Daimler-Benz após concluírem os primeiros testes.

Foram produzidos mais trinta protótipos, com os aperfeiçoamentos que os ensaios iniciais sugeriram e com acabamentos mais cuidados, nomeadamente a nível da chaparia.

Seguiu-se uma nova série de ensaios, alguns em circunstâncias particularmente adversas.

Para proceder à recolha e análise dos dados, Porsche escolheu o filho, Ferdinand como o pai, mais conhecido por "Ferry".

Entretanto, o esforço da recuperação alemã, da I Grande Guerra e da recessão europeia, dava os seus frutos.

Restabelecida a confiança do povo, a fábrica do Volkswagen permitiria vir a empregar, na sua capacidade máxima — um milhão de carros por ano —, cerca de trinta mil operários alemães.

Mas a megalomania do projecto continuava a assustar o professor Porsche.

Mais do que instalações e maquinaria, não via onde a Alemanha teria capacidade para formar tão rapidamente trabalhadores especializados, nomeadamente engenheiros...

Voltou aos EUA para aliciar técnicos alemães imigrados e seus descendentes. A visita, permitiu-lhe voltar a apreciar os métodos e máquinas utilizados pelos americanos, além de lhe proporcionar um dos maiores prazeres da sua vida, como confessaria: o encontro com Henry Ford, outro mago da indústria automóvel e que, como Porsche, acreditava na democratização do automóvel.

Mas Ford, como muitos dirigentes da indústria automóvel americana, não acreditava no projecto Volkswagen.

Para os alemães, contudo, a viagem foi bastante produtiva; tanto na escolha de maquinaria como no aliciamento de quadros.


Wolfsburg foi o local escolhido para a construção da fábrica.

Tinha uma localização central, possuía boas vias de comunicação e dispunha de espaço para a construção de uma cidade com 90 mil habitantes e futuras ampliações.

Ficou decidida  venda directa dos carros, para evitar que o lucro da intermediação agravasse o preço final.

A 26 de Maio de 1938 foi implantada a primeira pedra do edifício. Hitler já tinha anexado a Áustria nessa altura.

Quatro meses marcharia sobre a Checoslováquia.

Ferdinand Porsche recebeu uma condecoração nacional.

Porém, até então nunca tinha estado comprometido com qualquer projecto bélico. Ou antecipara sequer uma utilização militar do Volkswagen.


Em teatro de guerra

Inevitavelmente isso viria a acontecer.

A ordem directa do ditador alemão obrigou Porsche a proceder a algumas alterações no Volkswagen, aumentando a cilindrada para 1134 cc, reformulando a direcção, reforçando o chassis e a suspensão.

A carroçaria, blindada, passou a ser aberta e com quatro portas.

Terminava o ano de 1938, quando uma viatura militar foi entregue ao departamento de guerra para ser aprovada.

A reacção das altas patentes militares foi de inteiro desagrado, por não possuir tracção total, ser pequena e com motor refrigerado a ar.

Hitler insistiu. Alguns modelos foram experimentados no teatro de guerra da Polónia.

Mas um pedido específico do Estado-Maior do Exército Alemão deu o impulso decisivo.

Na expectativa do que iria acontecer e de modo a que fosse possível produzir, em simultâneo, a versão civil e a de guerra, Porsche redesenhou partes do Volkswagen, para que este pudesse receber as mesmas especificações do veículo militar.


O general Rommel seria o primeiro oficial do Exército germânico a pedir expressamente o modelo.

Inicialmente para as campanhas no Norte da França, depois para o Norte de África.

A "raposa do deserto" considerava-o ideal para suportar não só os maus-tratos infringidos pelos condutores, como para enfrentar as contrariedades do deserto.

Também na frente oriental, no frio gelado das estepes russas, o carro acabou por se revelar o mais indicado: o motor, refrigerado a ar, não congelava.

Por isso, quando os alemães se retiraram em debandada do Norte de África, tiveram o cuidado de destruir as viaturas abandonadas.

Tinham finalmente compreendido o seu valor.


O fim do nazismo e a prisão de Porsche

O pouco que tinha sido construído durante a guerra, foi utilizado para a construção de equipamento militar. Apenas algumas viaturas de estrada foram acabadas e destinadas às chefias militares e a graduados do partido nazi.

A variante militar deu posteriormente lugar a uma versão anfíbia, em 1942. 

O génio mecânico do professor Porsche acabaria por ser posto ao serviço das vontades dos senhores da guerra. Do seu estirador saíram alguns tanques de assalto.

Com o aproximar dos dias do estertor final de um regime sanguinário, grassava a confusão em Wolfsburg. 

A fábrica tornou-se um alvo privilegiado dos raids aéreos aliados. O que não foi destruído pela guerra, acabou por ser saqueado por alguns operários-prisioneiros, recrutados à força nos países ocupados, após a fuga dos guardas alemães.

Uma semana tardou até à chegada das tropas americanas ao local. Surpreendidos, depararam com alguns alemães a falarem em inglês com o seu sotaque; eram os engenheiros técnicos que tinham vindo dos Estados Unidos.

No início de 1945, Porsche e a sua equipa retiram-se para o Sul da Áustria. Foi aí que os aliados o encontram e o colocam em prisão domiciliária.

Interrogado, o professor predispôs-se a revelar o que conhecia dos segredos alemães. 


Entretanto, em Wolfsburg, as tropas britânicas tinham substituído as americanas. 

A necessidade de reparar os seus próprios veículos e de possuir mais para tarefas civis, incentivou a recuperação de alguns sectores menos destruídos da fábrica.

O maior problema eram as precárias condições de vida dos estrangeiros (sobretudo os da parte oriental da Europa), antes operários à força, agora famílias destroçadas com casa destruída nos seus países de origem. 

As tropas aliadas compreenderam então a importância da recuperação da fábrica.

A oferta de emprego e de um salário era decisiva para conter a desordem civil. A produção do Volkswagen foi gradualmente aumentando, consoante os sectores da fábrica iam sendo recuperados e a matéria-prima permitia.

Começaram as exportações de carros para vários países europeus.

Até 1949, ano em que a fábrica transitou das mãos das forças de ocupação britânica para o Governo alemão, tinham sido construídos mais de quarenta mil unidades.

Só nesse ano, foram construídas mais 46 000 unidades.


De símbolo da guerra a carro da Paz

EM 1950, já liberto e de novo a viver na Áustria, Ferdinand Porsche foi autorizado a visitar a Alemanha.

Ao transpor a fronteira, acompanhado pelo seu filho Ferry, o professor não conteve as lágrimas ao contar o número de carros que tinha feito nascer.

Faleceu em Estugarda, a 30 de Janeiro de 1951. 

A 5 de Agosto de 1955, com pompa e circunstância, saía da linha de montagem da Volkswagen em Wolfsburgo a unidade um milhão!

Os cerca de 22 milhões de unidades, tornam o Volkswagen o mais produzido de sempre.

Para ironia do destino, este carro, nascido durante o maior e mais sangrento conflito que o Mundo conheceu, acabaria por se tornar num dos símbolos da geração hippie e dos seus ideais de paz!

E definitivamente seria também consagrado como um carro para o povo.